sábado, 3 de julho de 2010

Emoções bissextas

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Emoções bissextas

Fábio Costa
Jornalista

Mais uma vez vamos acompanhar as partidas finais de uma Copa do Mundo sem a presença da Seleção Brasileira. Como aconteceu em 2006, despedimo-nos da competição nas quartas de final. Assim como não foi a primeira vez, também não será a última, nem foi a mais doída, pois desde o início havia um sentimento de desconfiança em relação à equipe comandada por Dunga, ou pelo menos de otimismo moderado.
Minha geração tem ainda viva na memória a derrota do Brasil para a Itália, na Copa de 82, no jogo que ficou conhecido como a “tragédia de Sarriá”, em referência ao estádio onde a partida foi disputada. Havia naquela Copa um clima de muita confiança em nossa seleção, aqui e alhures. Tínhamos craques como Júnior, Zico, Sócrates e Falcão, comandados por Telê Santana, um amante do futebol-arte.
Depois de um início nervoso, a seleção deslanchou e atropelou os primeiros adversários, incluindo a Argentina e o jovem Diego Maradona. Tudo levava a crer que chegaria ao título. No meio do caminho, entretanto, havia uma Itália e seu bambino Paolo Rossi. Lembro-me de que não consegui assistir aos cinco minutos finais da partida. A ansiedade e a angústia me fizeram sair da sala. Fiquei, de longe, solitário, ouvindo a narração até soar o apito final.
Houve outras frustrações nas copas que acompanhei. Quatro anos antes, eu vira o Brasil passar para a fase seguinte jogando um futebol burocrático e sem graça. Muita teoria e pouco futebol. No final, fomos “campeões morais”.
Em 1986, até que tínhamos quase os mesmos craques da competição anterior e o mesmo técnico, mas já era um time envelhecido, e a preparação foi atrapalhada. Mais uma vez ficamos frustrados quando o Brasil foi eliminado pela França nos pênaltis.
A Copa de 90 é para ser esquecida. Em 1994, ganhamos a Copa com uma seleção eficiente. Quatro anos depois, veio aquela situação até hoje mal-explicada envolvendo Ronaldo e levamos uma lapada da França na final. Em 2002, conquistamos o penta e na Copa seguinte tivemos uma seleção de estrelas sem brilho eliminada nas quartas de final.
Desempenho da Seleção Brasileira à parte, o que chama a atenção é o efeito que a realização de uma Copa do Mundo de Futebol provoca em nosso meio. Mesmo aquelas pessoas que dizem não se interessar por futebol se unem aos aficionados para acompanhar a competição. Parece haver algo contagiante que mexe com o inconsciente coletivo do brasileiro.
E esse clima diferente começa bem antes do início da competição. Este ano, por exemplo, parece ter sido retomada a febre dos álbuns de figurinhas dos jogadores. Confesso que, quando o álbum foi lançado, pensei em comprar, mas achei que estava meio velho para isso. Depois vi que estava enganado, pois constatei, surpreso, que a brincadeira contagiara pessoas de várias idades, incluindo cinquentões e sessentões. Mesmo assim, me contentei com meu álbum virtual.
A verdade é que o futebol parece ser um poderoso fator de mobilização. No papel de torcedor da Seleção, o mais excluído cidadão, o mais marginalizado, se sente um autêntico brasileiro. Bom seria se esse mesmo sentimento, essa mesma mobilização acometesse os brasileiros em outros aspectos da vida social.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Para a eternidade

Para a eternidade

Ao ler o noticiário local do dia 17 de junho num dos nossos muitos portais na internet, vi-me transportado para o ano de 1985, quando iniciei o curso de Jornalismo na Universidade Federal de Alagoas. Vieram-me à lembrança os meus primeiros dias de aula e os primeiros professores.
Lembro que a turma estava dispersa quando chegou à sala de aula, no bloco João de Deus – na época, um dos mais novos do campus –, um senhor baixinho, calvo, exibindo vistosas suíças. Apresentou-se como Sebastião Grangeiro Neto, professor de Língua Portuguesa.
Logo no começo da aula soltou a frase que era sua marca registrada. “Entrei nesta casa pela porta larga da decência; não pulei a janela da imoralidade”, costumava dizer ele, para ressaltar que seu ingresso no corpo docente da Ufal havia sido por méritos próprios, ou seja, por concurso, no qual fora aprovado com nota dez.
Durante o semestre, em meio às noções de gramática, Grangeiro (assim mesmo, com “g”) nos brindou com outras frases marcantes. Também não há como esquecer sua costumeira explicação para justificar algum atraso – estava em palácio, em colóquio com o governador, de quem era assessor.
Depois daquele semestre, nunca mais tive contato com o professor. Agora leio a notícia sobre seu falecimento, o que me motivou a escrever este texto. Para muitos que tiveram a oportunidade de estudar com Grangeiro, ele vai ser lembrado mais pelas frases de efeito, pelo português castiço, pelo gestual, ou até por seu modo peculiar de tocar piano. Prefiro lembrar-me dele por seu vasto conhecimento da língua portuguesa e suas dicas valiosíssimas, que me são úteis até hoje. Para fechar, mais uma de suas frases típicas. Quando alguém demonstrava alguma admiração por seu conhecimento, ele dizia solenemente: “Meus filhos, eu não aprendi para hoje, aprendi para a eternidade!”. Descanse em paz, mestre!

domingo, 23 de maio de 2010

A sexta-feira 13 que abalou Alagoas


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A sexta-feira 13 que abalou Alagoas

Em 1957, votação do impeachment do governador Muniz Falcão transformou a Assembleia em praça de guerra

Fábio Costa
Jornalista

No início da tarde do dia 13 de setembro de 1957, uma sexta-feira, um grupo de deputados chegou ao prédio da Assembleia Legislativa de Alagoas com uma peça de vestuário muito pouco adequada ao clima da cidade nessa época do ano. Num calor de 38º, os parlamentares estavam usando pesadas capas de chuva, sob as quais tentavam ocultar metralhadoras. Mal entraram no plenário, sem dizer uma palavra, abriram fogo a esmo, provocando a reação de deputados que já estavam entrincheirados no local. O intenso tiroteio durou cerca de 40 minutos e deixou um deputado morto e várias pessoas feridas, entre elas um jornalista carioca e um servidor da casa. O motivo do bangue-bangue: a votação do pedido de impeachment do governador Sebastião Marinho Muniz Falcão.
Dos 35 deputados estaduais, 22 estavam contra o governador. No dia da votação do impeachment, o próprio Muniz Falcão teria pedido que sua bancada não comparecesse à sessão, entretanto o deputado Humberto Mendes (PTN), seu sogro e líder do governo, discordava dessa posição.
Segundo relato de jornais da época, Mendes e os deputados Claudionor Lima e Abraão Moura decidiram ir à Assembleia dispostos a “matar ou morrer” e não atenderem nem mesmo aos apelos do arcebispo de Maceió, D. Adelmo Machado, para que fossem desarmados. Portando metralhadoras, os três rumaram para a Praça D. Pedro II e, agitados, condenavam os golpistas, sob aplausos da multidão que se aglomerava no local em apoio ao governador.
Os deputados oposicionistas também estavam preparados para o confronto. O boato que corria na cidade era que Humberto Mendes havia encomendado 22 caixões para o enterro coletivo da bancada. Por precaução, foram montadas barricadas com sacos de areia para proteger a Mesa Diretora.
O jornalista carioca Márcio Moreira Alves, enviado a Alagoas como correspondente do jornal Correio da Manhã para cobrir a crise política, relatou assim o que aconteceu naquele dia:

Cheguei às 6 da manhã de hoje, acompanhando o presidente da UDN. Imediatamente saímos a tomar contato com o ambiente político de Maceió, onde se vivia momentos de expectativa. Reuniões se sucederam entre os líderes udenistas na casa do deputado Mário Guimarães, presidente da UDN local. O Palácio do Governo estava vazio de povo e cheio de homens armados. O governador movimentou a cidade durante toda a manhã. A partir do meio dia passou a receber em Palácio. Às 15 horas a Polícia Estadual formou em frente ao edifício da Assembleia. Os deputados da oposição se encontravam no recinto. Às 15,10 horas, deputados situacionistas liderados pelo deputado Claudionor Lima, subiram a escadaria vestidos de capas, sob as quais portavam metralhadoras. Penetraram imediatamente no recinto. Nenhuma palavra chegou a ser trocada. Os deputados da situação abriram fogo imediatamente a esmo. Vários feridos. Impossível dizer número, pois figuro entre eles. De relance vi um deputado de terno escuro, de óculos, empunhando metralhadora sob a capa, que me afirmaram ser Claudionor Lima. Vi o fogo da metralhadora, senti dor na perna e caí. Durante uma hora, juntamente com outros 4 feridos, abriguei-me atrás de 3 sacos de areia destinados a proteger a taquigrafia. Esperei socorro. As ambulâncias tiveram dificuldades em atravessar o cerca de cangaceiros, que ameaçavam o corpo médico com metralhadoras. Removido para o Pronto Socorro, foi diagnosticada fratura do fêmur. Meu estado geral bom. Reportagem encerrada. Marcio Alves”.

Antes de extrair a bala, Moreira Alves fez questão de ditar a matéria, que o médico que o atendeu no Pronto-Socorro pacientemente anotou. O texto foi enviado por telegrama ao Correio da Manhã, que o transcreveu na primeira página da edição do dia 14 de setembro de 1957, com a seguinte manchete:
“DISSOLVIDA À BALA A ASSEMBLEIA DE ALAGOAS – DEPUTADOS GOVERNISTAS, PORTANDO METRALHADORAS, ABRIRAM FOGO PARA IMPEDIR A DISCUSSÃO DO PARECER FAVORÁVEL À DECRETAÇÃO DO IMPEACHMENT DO GOVERNADOR MUNIZ FALCÃO – RELATO IMPRESSIONANTE E DRAMÁTICO DO REPRESENTANTE DO “CORREIO DA MANHÃ, QUE FOI FERIDO DURANTE O TIROTEIO

(As 17 linhas do texto renderam a Moreira Alves o Prêmio Esso de Jornalismo. Onze anos depois, o jornalista seria protagonista de outro episódio marcante da história nacional. Em 1968, como deputado federal, ele fez no plenário da Câmara um discurso considerado ofensivo pelo governo militar, que pediu licença à Câmara para processá-lo. A recusa ao pedido foi o pretexto que os militares queriam para decretar o Ato Institucional nº 5, que mergulhou o Brasil no período mais sombrio da ditadura.)

Um deputado morto, três feridos

Na troca de tiros da Assembleia, morreu o deputado Humberto Mendes, atingido pelas costas. Segundo o jornalista Rubens Jambo, que estava na Assembleia naquele dia, o tiro que matou Mendes saiu da arma do deputado Virgílio Barbosa. Além do jornalista Márcio Moreira Alves, ficaram feridos os deputados Carlos Gomes de Barros, Júlio França e José Afonso e o servidor Jorge Pinto Dâmaso.
Só no final do tiroteio as tropas do Exército intervieram. O edifício, totalmente danificado, foi isolado. O cenário era de guerra: mobiliário quebrado, vidros estilhaçados, vitimas se contorcendo.
A notícia do assassinato de Humberto Mendes causou comoção, e algumas pessoas que ainda estavam na praça tentaram invadir o prédio, mas foram contidas pelos militares. O próprio governador, ao receber a notícia, teria decidido ir armado à Assembleia, mas foi contido por assessores.
Maceió se transformou numa cidade fantasma: sem energia, sem telefone, sem transportes. Nas ruas, apenas soldados do Exército. Os militares ofereceram asilo aos deputados governistas, e o Pronto-Socorro teve a segurança reforçada.
No dia seguinte, sob forte comoção, foi enterrado o deputado Humberto Mendes em sua cidade natal, Palmeira dos Índios. À noite, o presidente Juscelino Kubitschek decretava a intervenção parcial no Estado. Muniz Falcão passou o cargo ao vice, Sezinando Nabuco, e viajou para o Rio de Janeiro, mas retornou ao cargo em 24 de janeiro do ano seguinte, cumprindo o resto de seu mandato até o final.

Muniz Falcão desafiou as elites locais

Até hoje, mais de 50 anos depois, o episódio é considerado um dos mais significativos da história alagoana e ainda suscita discussões sobre a figura de Muniz Falcão e seu governo. Nascido no município pernambucano de Araripina, ele iniciou a carreira política em 1950, quando se elegeu deputado federal. Antes havia ocupado o cargo de delegado regional do Trabalho em Alagoas, o que lhe deu visibilidade, principalmente entre os trabalhadores. Em 1955, Muniz Falcão disputou a eleição para o governo do Estado e derrotou o candidato da situação, Afrânio Lages, que era apoiado pelo governador Arnon de Mello.
Partidários e opositores do governador deram versões diferentes para o processo de impeachment. Para os parlamentares da base de Muniz Falcão, o golpe foi uma reação de grupos oligárquicos ligados ao setor sucroalcooleiro, que não aceitavam a perda do poder político. Os oposicionistas, por sua vez, responsabilizavam o governador pelo alto índice de violência no Estado – cujo ápice havia sido o assassinato, em Arapiraca, do deputado José Marques da Silva (UDN) – e por ameaçar o Poder Legislativo.
Segundo o historiador Douglas Apratto Tenório, em sua obra “A tragédia do populismo – o impeachment de Muniz Falcão”, pela primeira vez, na violenta e tumultuada vida do Estado de Alagoas, “um governo saído das entranhas da massa exercitou com maestria o populismo, ousando confrontar-se com as elites e a aristocracia local”. Apratto afirma que o “munizismo” representou um momento de extraordinário avanço nas lutas sociais de Alagoas.
Entre as várias versões que circulam sobre Muniz e seu tumultuado governo, uma das mais correntes é a de que ele era um homem educado, fino, porém incapaz de coibir os desmandos e as truculências de seus correligionários. Seu governo teria sido marcado pela violência política em grau elevado.
Entretanto, como observa o historiador, a desestabilização do governo Muniz Falcão começara antes mesmo da posse. Segundo Apratto, o bloco oposicionista, que congregava as mais poderosas famílias estaduais, transformou o governo Muniz Falcão numa administração permanentemente acuada, combatida sem tréguas em todas as frentes.
Numa entrevista ao extinto Jornal de Alagoas em 13 de setembro de 1992, o ex-deputado federal e ex-prefeito de Maceió Djalma Falcão, irmão de Muniz, afirmou que o que pesava contra o então governador era o fato de ter enviado para apreciação da Assembleia um projeto de lei que criava a “taxa pró-economia”. Tratava-se de um tributo a ser pago pelos usineiros e pelos produtores de coco, fumo e algodão, cujos recursos seriam aplicados nas áreas de educação, saúde e infraestrutura. “A partir daí, fizeram de tudo para tirar Muniz da administração pública municipal”, afirmou Djalma. “Ele conquistou a simpatia do povo, mas, por outro lado, ganhou vários adversários”.
A taxa pró-economia, instituída em 22 de outubro de 1956, de fato alterou o quadro de forças da Assembleia. O governo, que até então tinha uma bancada favorável de 23 deputados contra 12, passou a ter minoria, com 13 parlamentares em sua base, contra 22 da oposição.
O assassinato do deputado José Marques da Silva, em Arapiraca, foi o pretexto que a oposição usou para iniciar o processo de impeachment. O deputado estadual Oséas Cardoso, líder do Partido Trabalhista Nacionl (PTN), foi o autor da denúncia por crime de responsabilidade.
Ao tomar conhecimento da denúncia, Muniz Falcão entrou com mandado de segurança no Tribunal de Justiça, que concedeu liminar em seu favor, suspendendo o pedido. A liminar foi cassada, e o deputado Teotonio Vilela (UDN), relator do processo, marcou para a sexta-feira 13 de setembro a primeira votação do impeachment, que acabou em tiroteio.
Douglas Apratto conclui que não houve vencedores no episódio, pois todos perderam, principalmente o Estado, cuja imagem de violência foi ainda mais fortalecida. 
A morte de Humberto Mendes, entretanto, parece ter oferecido uma espécie de trégua. Após a breve intervenção federal, Muniz retornaria ao Palácio dos Martírios e governaria o restante do mandato sem a antiga rede de intrigas.
Muniz Falcão seria novamente eleito governador de Alagoas em 1965, mas manobras políticas o impediram de tomar posse, e o Estado sofreu nova intervenção. Ele morreu no dia 14 de junho de 1966, no Recife, aos 51 anos, e foi enterrado em Maceió no dia seguinte. Uma multidão acompanhou o enterro.


Matéria publicada originalmente em O Jornal, edição do dia 13 de setembro de 2007.

domingo, 16 de maio de 2010

O Rio Grande do Norte na rota de Cabral

DESCOBRIMENTO DO BRASIL

O Rio Grande do Norte na rota de Cabral

Pesquisador afirma que o litoral potiguar foi o verdadeiro local do Descobrimento do Brasil pelos portugueses

Fábio Costa
Jornalista

Está nos livros escolares: no dia 22 de abril de 1500, o capitão português Pedro Álvares Cabral, comandante de uma esquadra de 13 caravelas, descobria uma nova terra, à qual foi dado inicialmente o nome de ilha de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e mais tarde Brasil. Pela história oficial, o “porto seguro” em que Cabral e sua equipe aportaram ficava no sul de onde hoje está localizado o Estado da Bahia. Entretanto, passados mais de 500 anos do acontecimento histórico, o verdadeiro local do descobrimento ainda é motivo de discussão e polêmica.
O escritor e pesquisador potiguar Lenine Pinto (foto), por exemplo, não tem a menor dúvida: o Monte Pascoal avistado por Cabral não seria outro senão o pico do Cabugi (foto), no Rio Grande do Norte. E o cabo de São Roque, também em território potiguar, seria o verdadeiro “porto seguro”.
Para provar sua teoria de que a rota de Cabral levou o navegador inevitavelmente à costa do Rio Grande do Norte, Pinto recorre a evidências náuticas, depoimentos de especialistas e documentos históricos. O resultado das pesquisas está registrado em pelo menos três livros do autor.

Reabastecimento – segundo Lenine Pinto, ao iniciar sua famosa viagem com destino às Índias, Pedro Àlvares Cabral recebeu do rei Dom Manuel, de Portugal, recomendação expressa para não fazer escala em Santiago de Cabo Verde, na costa oeste da África, onde os navios portugueses costumavam se reabastecer. O fato de Cabral ter seguido as ordens revela a intencionalidade de uma viagem exploratória e a possibilidade de encontrar outras terras, ao Ocidente, para estabelecer um ponto de reabastecimento.
“Salta aos olhos que Cabral veio conferir a existência do local, no futuro Brasil, onde estabeleceria uma escala aprovisionadora dos navios de carreira da Índia”, afirma o pesquisador potiguar. Para Lenine Pinto, a escolha desse ponto deveria recair, logicamente, no interstício entre as correntes subequatoriais e de Benguela, que, de acordo com relatos, se estendem da área Calcanhar/Cabo de São Roque (RN) ao Cabo Santo Agostinho (PE), “nunca ao sul da Bahia”, enfatiza o escritor.

O tempo da viagem

A esquadra de Cabral cruzou o Atlântico em 30 dias, mesmo período cumprido no ano seguinte e na mesma época por João da Nova (outro navegador português mandado de Lisboa para as novas terras) entre Santiago de Cabo Verde e a atual Ponta do Calcanhar ou o Cabo de São Roque, o que desmentiria o alongamento da navegação de Cabral até Porto Seguro. Além disso, João da Nova havia sido mandado à procura de Cabral e, nesse caso, deveria ter ido à Bahia.
São Roque aparece num mapa de 1502 como Cabo São Jorge, referência ao local e à data do Descobrimento, que ocorreu na tarde do dia 22 de abril. Para efeito de registros náuticos, foi anotado como já sendo 23 de abril, dia de são Jorge. Há registros documentais e cartográficos atestando que, a partir dali, o reabastecimento das naus que iam para a Índia passou a ser feito exclusivamente no saliente potiguar, o que comprova a intencionalidade da vida de Cabral.
Notícia transmitida à Itália pelo “informador” Domenico Pisani, logo após o regresso de Cabral a Lisboa, dava conta de que a expedição percorrera 2 mil milhas ao longo do litoral brasileiro. Esse detalhe estabelece, na avaliação de Lenine Pinto, o limite marítimo entre as praias de Touros e Cananeia, onde foram plantados os únicos marcos de posse em Vera Cruz. Se essa medida fosse tomada a partir do Sul da Bahia, Cabral, pelos cálculos do escritor potiguar, teria ido parar na Patagônia.

Mapas e aguadas

Em sua carta ao rei de Portugal, o escrivão oficial da esquadra, Pero Vaz de Caminha, revela a D. Manuel a riqueza das águas da nova terra. “Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa” (…) “águas são muitas, infindas... dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem... Não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação a Calecute, isto nos bastaria”.
Para o pesquisador potiguar, os fatos indicam que, durante alguns anos, Vera Cruz foi para o governo português pouco mais do que estação das naus em trajeto para as Índias, um mero ponto de reabastecimento, ou “aguada”. A aguada em solo brasileiro figura-se sempre na extremidade norte-riograndense, como indicam importantes mapas portugueses, um deles datado de 1519.
o cabo de São Roque representa o contorno de aproximadamente 100 km que engloba o conjunto de pontais (dos Anéis, do Coconho, da Gameleira, do Calcanhar, do Santo Cristo e do Reduto), até a praia dos Marcos, onde se pode encontrar a “Santa Maria da Arrábida”, que aparece num mapa de 1505 ou 1506 como Santa Maria de Agoodia. Há pesquisadores que sugerem que se tratava da “Agonia” ou “da Guarda”, mas um deles não teve dúvidas em apontá-la como Santa Maria da Aguada, por causa de outros mapas nos séculos XV e XVI localizarem no declive entre as extremidades setentrional e oriental do Rio Grande do Norte, a aguada que empolgara D. Manuel.
Na obra “Portugalioe Manumenta Cartographica”, do século XVI, encontram-se pelo menos três mapas assinaladores da essencial aguada norte-riograndense, por ser a única existente ao longo da costa brasileira. Num dos mapas aprecem não apenas um mas dois rios de aguada de frente aos baixios de São Roque, e, entre esses rios, as barrerias vermelhas e brancas de que fala Pero Vaz de Caminha. Na mesma paisagem, está assinalado ainda um monte de cimo pontiagudo logo abaixo da desembocadura de um rido de água doce, que seria a foz do rio Açu, em Macau, por onde começa a ser descortinada a serra do Cabugi.
Em mapas estrangeiros, a comprovação dessa exclusiva área de reabastecimento pode ser encontrada em pelo menos outras três obras, deixando clara a associação entre a aguada fundamental para a carreira da Ìndia e a extremidade potiguar, o que define o ponto do Descobrimento.

“Traços inequívocos”

Ao contrário da ausência de provas simbólicas e materiais que atestem a ocorrência do Descobrimento no porto seguro baiano, nas áreas de Touro e Cananeia foram deixados traços inequívocos da presença de Cabral, segundo Lenine Pinto. A ponta extrema do litoral norte-riograndense recebeu num mapa do século XVI o nome de batismo de São Jorge, santo do dia do Descobrimento.
O Monte Pascoal que Cabral inicialmente avistou poderia ser perfeitamente o pico do Cabugi, ponto mais elevado do Rio Grande do Norte, com altitude calculada em 800 metros. Trata-se de uma montanha pedregosa que pode ser avistada à distância de 50km e que servia como marco de referência aos pescadores em alto mar, que podem avistar o Cabugi ao longe, além do horizonte marítimo. Esse detalhe foi confirmado por pescadores da praia dos Marcos.
Quanto às outras serras mencionadas por Caminha – mais baixas ao sul dele e de terra chã, com grandes arvoredos –, Cabral estaria vendo para as bandas da praia de Touros, junto ao Calcanhar, quer seria a Chapada do Morro Vermelho, com 300 metros acima do nível do mar, e, entre a Serra Verde e o Atlântico, o Serrote da Cutia, que, no passado, exibia “luxuriante cobertura vegetal, e mais bonita parecia vista do oceano”.
Depois, num passeio pela praia com seus comandados, Cabral foi até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia. Para Lenine Pinto, não há outra explicação: ou estava na lagoa do Boqueirão, ou na lagoa do Avião, em Touros, porque não existe na área de Porto Seguro da Bahia nenhuma lagoa de água doce, mas apenas três lagoas salgadas.

Dia de São Jorge

Cabral avistou o Monte Pascoal a horas de véspera, isto é, ao entardecer do dia 22 de abril. Nos navios daquele tempo, entretanto, marcavam-se horas pelo único relógio disponível, as ampulhetas, que eram corrigidas pelo sol a pino do meio-dia., e a partir de então tinha início uma nova data para o registro das ocorrências e dos procedimentos do mar. Dessa forma, quando a esquadra ancorou no “porto seguro” ao entardecer do dia 22 de abril, os capitães e seus pilotos anotaram o fato datando-o do dia 23, consagrado a são Jorge.
Dois anos depois do Descobrimento, aparece o Cabo de São Jorge, no ponto mais setentrional do litoral brasileiro, isto é, São Roque, ou a Ponta do Calcanhar.
O cabo de São Roque revela não só a data, mas – assegura Lenine Pinto – “inequivocamente, o ponto no qual o descobrimento oficial ocorreu”. Os navegadores, explica o escritor, costumavam designar as novas terras pelos santos do dia da descoberta.
Poucos anos depois, a denominação do Cabo de São Jorge é substituída por Cabo de Santa Cruz, outra referência ao Descobrimento. A designação Cabo de São Roque veio a universalizar-se em razão de divergências de traçado.
Num mapa de 1502, aparece um porto seguro ao sul da Bahia, o qual poderia ser tomado como “logradouro de matalotagem”. Entretanto, afirma Lenine Pinto, o “porto seguro” baiano nunca foi uma aguada permanente. Como observou o historiador baiano Pedro Calmon, o marco que Porto Seguro ostenta é apenas um “comemorativo do descobrimento, provavelmente posto ao iniciar-se a colonização”, o que remeteria a uma data a partir de 1535.

Matéria publicada origalmente em O Jornal, edição do dia 2 de abril de 2000

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Feijão-de-corda ameaça a "preferência nacional"

REPORTAGEM

Feijão-de-corda ameaça a "preferência nacional"
Pesquisa aponta que consumo em excesso da leguminosa causa diminuição do bumbum

Fábio Costa
Jornalista

Muito popular no Nordeste, principalmente na zona rural, o feijão-de-corda (cujo nome verdadeiro é caupi) é hoje um dos alimentos que mais fornecem proteínas à dieta do povo da região. Segundo o engenheiro-agrônomo Josival José Gomes de Almeida, essa espécie de feijão é rica em proteínas, vitaminas e sais minerais, constituindo-se em boa fonte de ferro (2,10mg), fósforo (146 mg) e em vitaminas A e C.
Entretanto, uma pesquisa divulgada em 1992 revelou uma faceta do feijão-de-corda que certamente pode deixar de orelha em pé a maioria das mulheres que apreciam o produto. O caupi é rico também em uma substância chamada lisina, que tem como propriedade queimar calorias unicamente numa parte do corpo humano muito valorizada pela cultura erótica brasileira: as nádegas.
Ou seja, de acordo com os pesquisadores, o consumo prolongado do nosso tão saboroso feijãozinho-de-corda pode ter como consequência a diminuição do bumbum, um pecado em se tratando do Brasil, um país em que essa região do corpo, principalmente o feminino, já foi definida como preferência nacional. Uma ressalva: a lisina só agiria em adultos ou adolescentes com mais de 15 anos.
Por falta de recursos, não foram realizados novos estudos sobre esse interessante fenômeno. Ao que parece, aquilo que os pesquisadores descobriram a sabedoria popular já suspeitava havia muito tempo. Tanto é que um dos nomes pelos quais o caupi é conhecido no interior é “cocha-bunda”, pois já se acreditava que as mulheres que comiam muito feijão-de-corda acabavam com a região glútea menos abundante.
De origem africana, o caupi amplamente cultivado pelo pequeno produtor e se trata de uma cultura de subsistência. Pode ser consumido como hortaliça, como feijão verde, vagem, ramos, folhas para alimentação animal, opção como fonte de matéria orgânica (adubo verde) e na recuperação de solos pobres em fertilidade ou esgotados pelo uso intenso.
Seu plantio é feito logo nas primeiras chuvas, pode ser plantado em sulco ou cova a uma profundidade de 5 centímetros. No cardápio das famílias nordestinas ele pode aparecer também sob a forma de farinha, utilizada na alimentação de crianças desmamada como papas, mingaus e caldos, ou ainda para o fabrico de pães, biscoitos e macarrão.
Segundo Josival Gomes, em Alagoas a região produtora de caupi compreende os municípios da grande Arapiraca, que vem utilizando quatro variedades desse feijão. A produção supera em duas vezes a produção média do Estado, que está em torno de 400 quilos por hectare em cada safra.

Alternativas para um bom bumbum

Na cultura brasileira, sempre houve a tendência à valorização das mulheres de formas arredondadas, avolumadas e bem definidas. Com a liberalização dos costumes, não é difícil deparar com mulheres que usam roupas curtas ou apertadas para realçar os dotes físicos. “Para mim, o bumbum tem de ser bem rechonchudo e empinadinho”, afirma o comerciário Alfredo Luiz, enquanto observa as garotas passeando na praia da Ponta Verde.
Para quem não foi agraciada pela natureza, é possível apelar para algumas saídas alternativas. Usar roupas que disfarcem a ausência de nádegas abundantes é uma dela. Há também a ginástica localizada, mesmo assim esse tipo de atividade não faz milagres e pode apenas moldar os glúteos de mulheres e – por que não?– de homens insatisfeitos com a parte traseira do corpo. Uma opção radical é o implante de silicone.
Outra opção quem oferece são as indústrias de lingerie. É possível encontrar meias-calças com enchimento, que, como num passe de mágica, transformam glúteos chochos em bumbuns mais atrativos. Uma das lojas que oferecem esse tipo de acessório em Maceió chega a vender até 15 peças por dia. Os compradores são, em sua maioria, mulheres de meia-idade e – pasmem! – homens.
O grande problema de quem resolve apelar para o bumbum falso é a possibilidade de decepcionar o parceiro. “O homem pode ficar atraído pelo bumbum e na hora do rala e rola, vem aquela decepção, já pensou?”, avalia a vendedora da loja.

Nádegas geram dinheiro e fama

a valorização da região glútea feminina tem sido constantemente explorada pela mídia, que volta e meia lança ídolos moldados mais em cima dos atributos físicos em detrimento dos dons artísticos. Quem não se lembra, por exemplo, da “cantora” Gretchen, que, na década de 80, fez sucesso como  a “rainha do bumbum”, embora seus dotes vocais fossem quase nulos?
Outro caso é o da ex-chacrete Rita Cadilac, que chegou a declarar que, quando morresse, desejava ser colocada no caixão de bruços, para que todos se lembrassem dela.
O caso mais recente de exploração comercial das formas abundantes e reboliças é o de Carla Perez, a loura que animava as apresentações do grupo baiano “É o Tchan”. Não se sabe se pela qualidade musical do conjunto ou pelos apelos eróticos de Carla, o “É o Tchan” se transformou num fenômeno de vendas em todo o Brasil.
Para as mulheres que se preocupam em manter o bumbum sempre em forma, a pesquisa sobre o feijão-de-corda não deve causar pânico, pois o efeito da lisina só seria um risco se o produto fosse consumido constantemente. Por isso, ninguém precisa ficar com peso na consciência ao degustar um delicioso feijão tropeiro com arroz e churrasco de carneiro.

* Matéria publicada originalmente em O Jornal, edição do dia 13 de abril de 1997

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A sexta-feira 13 que matou a democracia


A sexta-feira 13 que matou a democracia

Fábio Costa


Para boa parte da nova geração atual, o termo AI-5 não significa muita coisa. Vivendo-se numa fase da história brasileira em que sopram livremente os ventos da democracia, em que se podem criticar presidentes e a imprensa denuncia abertamente escândalos envolvendo altas figuras do poder, torna-se difícil imaginar que, durante pelo menos uma década, o Brasil passou por período obscuro, marcado pelo terror, pela tortura e pelo cerceamento da liberdade de expressão em todos os níveis.
Na noite do dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, o segundo presidente do período militar, o general Artur da Costa e Silva, anunciava à nação em cadeia nacional o conjunto de medidas denominado Ato Institucional N.º 5. Foi o ponto de partida para a fase mais violenta dos 21 anos em que o Brasil viveu sob o regime militar, iniciado com o golpe de 31 de março de 1964, quando as Forças Armadas depuseram o presidente João Goulart.
Mais abrangente e autoritário que todos os outros atos institucionais, o AI-5, na prática, revogou os dispositivos da Constituição de 1967. Ao dar plenos poderes ao presidente da República, reforçou os poderes discricionários do regime e concedeu ao Executivo o direito de determinar medidas repressivas específicas, como decretar o recesso do Congresso – o que foi feito -, das assembléias legislativas estaduais e das câmaras municipais. O governo podia censurar os meios de comunicação, eliminar garantias de estabilidade do Poder Judiciário e suspender a aplicação do habeas corpus em caso de crimes políticos. O ato ainda cassou mandatos, suspendeu direitos políticos e cerceou direitos individuais. Em seguida ao AI-5, o governo Costa e Silva decretou outros 12 atos institucionais e complementares, que passaram a constituir o núcleo da legislação do regime. 
Mais do que isso, o AI-5 representou o “golpe dentro do golpe”, pois foi a vitória da “linha dura” das forças armadas sobre os setores moderados. Com isso, abriu-se a temporada de prisões arbitrárias, e a tortura passou a ser usada como arma de combate aos que lutavam contra o regime – em sua maioria jovens idealistas que tentaram derrubar o governo militar por meio das armas.
Estima-se que, na vigência do AI-5, entre 1968 e 1979, a luta deixou 100 mortos do lado dos militares e mais de 400 mortos e desaparecidos políticos de esquerda, entre eles alguns alagoanos. No campo político, 66 ocupantes de cargos públicos tiveram o mandato cassado, 66 pessoas perderam os direitos políticos, 348 foram aposentadas compulsoriamente – entre elas o então professor da USP Fernando Henrique Cardoso -, 139 militares foram reformados e 129 executivos do governo foram demitidos.

A vitória da linha dura

Logo após a vitória do golpe militar de 1964, os líderes do movimento o definiram como um “movimento legalista”. O general Mourão Filho declarou que João Goulart fora afastado do poder “de que abusava”, para que, “de acordo com a lei”, se opere sua sucessão. Já o general Kruel garantiu que o Exército iria “se manter fiel à Constituição e aos poderes constituídos”.
Porém, quando Castelo Branco baixou o Ato Institucional n.º 2, modificando profundamente a Constituição de 1946, o movimento de 1964 começou a revelar sua face de ditadura. Entre 1964 e 1968, entretanto, o regime militar manteve um perfil moderado. Havia dentro das Forças Armadas divergências sobre o desdobramento da chamada “revolução”. Alguns setores defendiam um retorno gradual à democracia – essa parecia ser a posição de Castelo Branco, primeiro presidente do ciclo militar. Outros setores, então majoritários, eram a favor do endurecimento do regime.
Com a posse do general Artur da Costa e Silva, em 1967, a linha dura das Forças Armadas chegou ao poder. Embora, mais tarde, o segundo general-presidente quisesse promover a redemocratização, as circunstâncias históricas o tornariam o maior responsável pelo endurecimento definitivo do regime.
Pressionado pela linha dura e pelas greves operárias e manifestações estudantis, Costa e Silva encontrou um pretexto para decretar, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional n.º 5, chamado de “golpe dentro do golpe”. Na prática, o AI-5 concretizou o golpe de 1964 e deixou claro que os militares estavam dispostos a abandonar sua posição de “poder moderador”.
Em 28 de março de 1968, a Polícia Militar havia invadido o restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro, e, no choque que se seguiu, foi morto o estudante Édson Luís. No dia seguinte, 50 mil pessoas saíram às ruas para protestar. Três meses depois, houve a famosa “Passeata dos 100 mil”. No início de setembro, depois que a PM invadiu a Universidade de Brasília, o deputado Márcio Moreira Alves, em discurso no Congresso, sugeriu que a população boicotasse o desfile de 7 de Setembro e as mulheres se recusassem a namorar oficiais que não denunciassem a violência.
O discurso foi considerado uma ofensa às Forças Armadas, e os ministros militares decidiram processar o deputado, mas, para isso, precisavam de licença do Congresso, já que os deputados gozavam da imunidade parlamentar. Em 12 de dezembro de 1968, o Congresso negou a suspensão da imunidade parlamentar de Alves.
No dia seguinte, disposto a punir o deputado, Costa e Silva reuniu o Conselho de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro, e apresentou o texto do Ato Institucional n.º 5. Os ministros militares queriam o AI-5 para calar a subversão à força e “livrar o País do perigo comunista”. Como declarou o então chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Orlando Geisel, “se não tomarmos neste momento esta medida, amanhã vamos apanhar na cara”. O vice-presidente da República, o civil Pedro Aleixo, sugeriu uma solução provisória e defendeu o Estado de Sítio, mas foi voto vencido. Aliás, foi o único voto contra o ato. Para os líderes da “revolução”, era preciso manter a ordem, mesmo que isso implicasse enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples. Até hoje é famosa a frase do então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho: “Às favas, senhor presidente, neste momento todos os escrúpulos de consciência”.


FRAQUEZA - Para o jornalista alagoano Anivaldo Miranda – que na época vivia clandestinamente no Rio de Janeiro depois de ter deixado Alagoas para não ser preso -, a decretação do AI-5, interpretado como um ato de força do regime, foi, na verdade, um ato de fraqueza. “O fortalecimento da sociedade civil organizada e do movimento estudantil incomodou os militares”. 
A ação do movimento estudantil na época foi o estopim para o endurecimento do regime. Em Maceió, os estudantes chegaram a ocupar o Cepa e fazer greve em protesto contra a política do governo federal. O assassinato de Édson Luís, no Rio de janeiro, gerou um grande ciclo de manifestações contra a ditadura e em defesa do ensino público e gratuito. Os estudantes lutavam contra a cobrança de anuidades nas universidade públicas e contra os famosos acordos MEC/Usaid (agência norte-americana), que reformaram o ensino.
As universidades latino-americanas sempre foram vistas como um foco de resistência à política externa dos Estados Unidos. A partir de uma estratégia do Departamento de Defesa Norte-Americano, a privatização foi vista como um instrumento para conter o forte caráter contestador da juventude latino-americana. A luta contra a privatização acabou se transformando numa luta contra o regime. Para paralisar o movimento estudantil e impedir o crescimento do movimento sindical, além de neutralizar o crescente prestígio da oposição parlamentar, os militares editaram o AI-5.
A economista e ex-suplente de senadora Maria Ivone Loureiro – ela própria uma vítima dos horrores do AI-5 – lembra que na época vivia-se uma efervescência política muito grande, devido a acontecimentos importantes em todo o mundo, como a Revolução Cubana e as figuras de Che Guevara e Fidel Castro, a Guerra do Vietnã e as revoltas estudantis na França. Ela ressalta, porém, que os militares não haviam tomado o poder por si sós, pois havia interesses da grande burguesia nacional e internacional, representada pelo grande capital norte-americano. Não só a ditadura brasileira, como as experiências da Argentina e do Chile, tiveram incentivo direto do governo dos Estados Unidos.
Miranda ressalta que até o AI-5 vivia-se uma ditadura moderada, mas, a partir da decretação do ato, o regime militar revelou seu conteúdo fascista, de conotação ideológica abertamente reacionária. “Era uma ideologia primária, que, inspirada nos cânones da Guerra Fria, dividia o mundo em dois blocos e considerava que todos aqueles que não concordassem com o regime eram inimigos da pátria”, explica. Essa concepção – que teve como principal ideólogo o general Golbery do Couto e Silva, criador do Serviço Nacional de Inteligência, o SNI, e da “Teoria do Inimigo Interno" – gerou um clima de perseguição, “dedurismo” e terror, que se espalhou por todos os planos da vida pública, segundo Miranda.
O ex-deputado estadual e federal Eduardo Bonfim (PC do B), na época já militante do movimento estudantil, conta que, para muita gente, o papel de “dedo-duro” passou a ser um meio de ascensão social, para obter favores do regime. Os dedos-duros estavam em toda a parte e às vezes denunciavam colegas de trabalhos por motivos pessoais, que nada tinham a ver com subversão. “Nenhum cidadão estava livre de ser preso”, diz Bonfim.

Os militares na política

Desde a proclamação da República, os militares eram chamados a intervir no processo político em momentos de crise, mas retornavam aos quartéis assim que os problemas estivessem contornados. Em 1964, entretanto, eles se manteriam por mais de duas décadas no poder, promovendo o fechamento político do País e se impondo à sociedade civil, dispostos a colocar em prática suas teses desenvolvimentistas.
O auge da combinação fechamento político/euforia desenvolvimentista se deu no governo do general Emílio Garrastazu Médici. Após o AI-5, vários setores de oposição, como o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), ficaram convencidos de que o único caminho que restava para combater o regime e destituir os militares era a luta armada. “Foi o próprio regime que impôs a luta armada, pois não sobravam opções de resistência a não ser a luta política ou a luta armada”, afirma Eduardo Bonfim. “O PC do B combinou a luta armada com a luta política”.  Para Maria Ivone, a luta armada correspondia a uma necessidade da época. “As prisões estavam cheias, havia tortura e uma ditadura que tratava a vida humana de forma banal”, afirma. 
A luta armada incluía assaltos e sequestros. Um caso famoso ocorreu em setembro de 1969, quando o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbruck, foi sequestrado e trocado por 15 presos políticos. O episódio está relatado no livro “O que é isso, companheiro?”, do hoje deputado federal Fernando Gabeira, que era um dos sequestradores. Por causa disso, até hoje Gabeira está impedido de entrar nos Estados Unidos.
Médici, o terceiro e mais linha-dura dos generais-presidentes, começou o combate sem tréguas aos chamados “terroristas” e os venceu. Com o surto desenvolvimentista batizado de milagre econômico, repressão e ufanismo andaram de mãos dadas. Numa nação em crise, jornais e TVs, sob censura, só davam notícias boas.
Emílio Garrastazu Medici assumiu a Presidência  em 30 de outubro de 1969 e governou até 15 de março de 1974. Seu governo ficou conhecido como “os anos negros da ditadura”. O movimento estudantil, sindical e as oposições foram contidos e silenciados pela repressão policial. O fechamento dos canais de participação política levou uma parcela da esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo respondeu com mais repressão. O governo Medici lançou também uma ampla campanha publicitária com o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. O endurecimento político foi respaldado pelo chamado “milagre econômico”: crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e o surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo. 
Anivaldo Miranda ressalta que essa opção pela luta armada custou caro. “Centenas de jovens perderam a vida, embora tenham deixado para o País um exemplo de coragem e abnegação e amor à liberdade”. Outros partidos, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), entretanto, desde o princípio tentaram mostrar à opinião pública que o único caminho efetivo para a derrota do regime seria a luta política de massa.
Grupos políticos ajudaram a articular a oposição no Congresso e mantiveram o movimento sindical, mesmo durante o endurecimento do regime, além de criar órgãos alternativos de imprensa e organizar a resistência política em todos os planos da vida brasileira.
Mas nem o fato de ter optado pela resistência política na legalidade livrou alguns partidos da dureza do regime. Pelo menos 14 dos principais líderes do PCB foram assassinados nos porões da ditadura, sem que se conheçam as circunstâncias em que eles foram executados. Um desses dirigentes era o alagoano Jaime Miranda. Líderes do PC do B também foram assassinados.
As ações repressivas do governo foram estimuladas por grande parte dos oficiais do Exército, principalmente pelos coronéis. A chamada “linha dura” defendia a pureza dos princípios “revolucionários” e a exclusão de todo e qualquer vestígio do regime deposto. Usando de pressões, conseguiram que o Congresso aprovasse várias medidas repressivas. A emenda das inelegibilidades, por exemplo, aprovada em 1965 antes das eleições para governadores, transformou em inelegíveis alguns candidatos que desagradavam aos militares. Uma das maiores vitórias da linha dura foi a permissão dada à Justiça Militar para julgar civis pelos chamados “crimes políticos”. 

Censura manteve população alheia ao que estava acontecendo

Um dos instrumentos mais atuantes durante os “anos de chumbo” do regime militar e que serviu para manter o povo alheio ao que estava acontecendo nos porões da ditadura foi, sem dúvida, a censura à imprensa e às manifestações artístico-culturais. Oficialmente o Departamento de Censura Federal foi criado em janeiro de 1970, pelo decreto-lei 1.077, com a função de “proibir obras que obedeciam a um plano subversivo para pôr em risco a segurança nacional”. Entretanto, a censura imposta pelo regime militar se iniciara de fato a partir da promulgação da Lei de Imprensa de 1967, do AI-5 e da Nova Lei de Segurança Nacional, de 1969.
A partir desse conjunto de leis, a presença dos censores nas redações dos principais jornais, revistas e TVs se tornou fato corriqueiro, e a lista de assuntos proibidos ia aumentando cada vez mais. A imprensa publicava receitas culinárias e poemas no lugar dos textos censurados. A revista Veja utilizava figuras de diabinhos.
Entre 1973 e 1978, só a TV Globo recebeu 270 ordens de censura, a maioria por telefone. Uma delas chegou a vetar a divulgação de uma reportagem sobre um surto de meningite, em 1974. Detalhe: o alerta sobre o problema havia sido feito pelo próprio ministro da Saúde.
Na TV, a novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, foi proibida dias antes de ir ao ar. Selva de Pedra teve vários capítulos “tesourados”. Muitas pessoas devem se lembrar do slide exibido antes de cada programa de TV com a autorização da Censura Federal. A censura não se restringiu apenas à palavra escrita. No teatro, dezenas de peças foram vetadas. Na música popular, Chico Buarque de Holanda foi um dos artistas mais atingidos pela tesoura da censura. Mas o símbolo dessa época foi a música “Para não dizer que não falei das flores (caminhando)”, de Geraldo Vandré, proibida por ter letra supostamente subversiva (ofendia as Forças Armadas) e cadência do tipo de Mao-Tsé-tung. Vários filmes também tiveram a exibição proibida no Brasil.
Quem assistia aos telejornais na época – principalmente ao Jornal Nacional da Rede Globo – deparava com um país sem problemas, em franco desenvolvimento. Não era para menos. Só as boas notícias podiam ser divulgadas. Faz sentido, portanto, a declaração do presidente Medici em março de 1973: “Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos e várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante após um dia de trabalho”.
Com critérios controversos, a tesoura da censura não visava apenas o conteúdo ideológico das obras artísticas. Em muitos casos, tratava-se apenas de preservar a “moral e os bons costumes”. O filme “A laranja mecânica”, de Stanley Kubrick, por exemplo, foi liberado, mas com bolinhas cobrindo a genitália de personagens nus – para delírio da platéia, as bolinhas às vezes erravam o alvo, quando as personagens se movimentavam.
Nos dez anos de AI-5, foram proibidos 500 filmes, 450 peças de teatros e 200 livros. Pelo menos 100 revistas foram tiradas de circulação, 50 letras de música tiveram trechos cortados e 12 capítulos de novelas foram cancelados.
Aos poucos, a censura foi se afrouxando. Mesmo após o regime militar, entretanto, o filme Je vous alue Marie, de Godard, foi proibido pelo governo de José Sarney, por pressão dos bispos católicos, que o consideraram ofensivo à figura de Nossa Senhora. A Constituição de 1988 acabou oficialmente com a censura prévia no País.


A pesada herança


O AI-5 foi revogado pela emenda n.º 11, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1979, dentro do processo de abertura “lenta e gradual” posto em prática pelo general Ernesto Geisel, sucessor de Médici. Entretanto, seus efeitos deixaram marcas profundas na vida nacional. O Ato representou um corte dramático na história brasileira. Como observa Anivaldo Miranda, toda uma geração foi podada e castrada de sua criatividade, na manifestação de seus interesses, na concepção de suas aspirações e na manifestação de sua liberdade. “Com o AI-5, o País viveu anos de obscurantismo que criaram o caldo cultural para a crise moral e institucional que o Brasil vive até hoje”.
Para o jornalista, pode-se até atribuir como efeitos do AI-5 o desenvolvimento da cultura da corrupção, da baixa qualidade da representação política. Nesse período, a população brasileira perdeu capacidade de organização política, comunitária e associativa. “Foram mais de duas décadas sem poder debater, discutir e refletir. O resultado está aí: crise do ensino, crise das organizações populares, crise do modelo de desenvolvimento, crise agrária, modelo deformado de urbanização e falta de planejamento", diz Miranda.
Talvez mais grave do que tudo isso foram os dramas pessoais. Muitas vidas foram interrompidas bruscamente e muitos que sobreviveram ainda trazem sequelas das sessões de tortura física e psicológica. “Os crimes da ditadura precisam ser mais bem esclarecidos”, afirma Miranda, ressaltando que a atual Lei da Anistia é uma farsa, pois boa parte das vítimas não teve seus interesses resgatados.
Para Eduardo Bonfim, o período representou o obscurantismo nas atividades acadêmicas, culturais e sociais no País e impediu o surgimento de uma geração com acesso à cultura e à informação. “Nem o nazismo de Hitler foi capaz disso”.
Tanto Miranda quanto Bonfim e Ivone concordam com uma coisa: o retorno gradual à democracia só foi possível graças à resistência, seja por meio da luta armada, seja da luta política na clandestinidade ou abertamente. Foram pessoas que, mesmo correndo todos os riscos, “vivendo perigosamente”, mantiveram de pé a bandeira da liberdade e da democracia.


Vidas marcadas 

A experiência de quem viveu intensamente essa época

O golpe militar de 1964 e os anos de chumbo que se seguiram a partir do AI-5, em 1968, marcaram a vida de muitos jovens idealistas em todo o País. A luta pela liberdade e pela democracia representou perseguições, prisões, torturas ou, no mínimo, uma vida vigiada e sob forte tensão. Em Alagoas não foi diferente. O jornalista Anivaldo Miranda, o advogado e ex-deputado Eduardo Bonfim e a economista e ex-suplente de senadora Maria Ivone viveram ativamente essa época. Miranda foi obrigado a amargar um exílio de 18 anos longe de sua terra, vivendo na clandestinidade. Bonfim foi um dos líderes da luta política no Estado, sempre vigiado pelo regime, e Maria Ivone chegou a ser presa e torturada, além de ter o marido assassinado pela ditadura.

Exílio forçado

Anivaldo Miranda iniciou sua militância política em 1958, quando começou a participar do movimento estudantil. Em 1964 esteve à frente das grandes manifestações contra o golpe realizadas em Maceió e, ao lado do irmão Valdimir, foi um dos líderes do foco de resistência em Maceió. Para escapar à onda de prisões que se sucederam – o próprio pai foi preso, embora fosse apenas simpatizante -, Anivaldo e seus irmãos foram obrigados a deixar Alagoas clandestinamente, abandonando o curso de Economia.
Continuou sua militância no Rio de Janeiro, participando da reorganização do PCB e do movimento estudantil. Em 1973, com o endurecimento do regime, saiu do País e exilou-se em Copenhague, na Dinamarca, onde ficou até 1980, retornando ao Brasil após a anistia. A volta a Alagoas ocorreu em 1982, para participar da campanha do senador Teotônio Vilela ao Senado e do advogado José Moura Rocha ao governo do Estado, nas primeiras eleições diretas para governador depois do golpe.

Dupla identidade


Eduardo Bonfim era um estudante secundarista quando o AI-5 foi decretado. Ele estudava no colégio Moreira e Silva, no Cepa, um dos focos de resistência ao regime e onde foram realizados protestos e greves. Em 1970, já era secretário-geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e depois presidente do Diretório Acadêmico do curso de Direito.
Bonfim conta que, em 1973, houve em Alagoas uma forte repressão às forças progressistas, e vários líderes estudantis foram presos e torturados, entre eles o falecido jornalista Dênis Agra. Outros tiveram de ir para a clandestinidade ou fugir para não ser presos. Ele não chegou a ser detido, mas teve de responder a interrogatórios na Polícia Federal.
A militância de Bonfim incluía também a clandestinidade. “Eu tinha uma vida dupla. Para a família, para os vizinhos, para a sociedade, enfim, eu era o Eduardo, mas nas reuniões secretas do partido eu era o Manuel”, conta. Todos os que militavam em organizações clandestinas tinham de usar codinomes entre si e não sabiam o nome verdadeiro dos companheiros, para que, se fossem presos, não pudessem fornecer informações precisas aos torturadores. Havia também todo uma estratégia para evitar as prisões, mas isso nem sempre funcionava.
Em 1978, já com os ventos da abertura política, Bonfim foi um dos fundadores e primeiro presidente da Sociedade Alagoana dos Direitos Humanos, que se engajou na luta pela anistia aos exilados do regime. A campanha cresceu e incluiu até uma grande passeata pela Rua do Comércio. Em 1986 ele se tornou o primeiro deputado federal comunista eleito por Alagoas.


Prisão e tortura



Para a ex-suplente de senadora Maria Ivone Loureiro, o AI-5 trouxe marcas profundas. Na época ela militava no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que defendia a luta armada tanto na cidade como no campo. O marido, Odijas Carvalho, era um dos líderes do partido em Alagoas. Ivone estudava Economia no Recife quando o ato foi decretado. Em 1969 foi para Fortaleza, estudando e participando do movimento estudantil.
No ano seguinte, com o endurecimento da ditadura, entrou para a clandestinidade. Foi obrigada a mudar de nome várias vezes, utilizando documentos falsos. Chegou a ter treinamento com armas num sítio no Recife. Seguiu para Natal também clandestinamente e lá foi presa em 1971, depois que a polícia descobriu a casa onde ela e companheiros estavam. Poucos dias antes Odijas havia sido preso no Recife e mais tarde torturado até a morte.
Acusada de incitação à guerra revolucionária, criação de partido clandestino e panfletagem contra o regime, Ivone foi condenada pelo Tribunal Militar a 17 anos de prisão, em dois processos, mas o caso foi revisto e ela acabou absolvida num deles. Mesmo assim passou por quatro presídios e ficou dois anos presa, a maior parte do tempo no Presídio Bom Pastor, no Recife.
Ivone conta que chegou a ser espancada, mas a tortura não era apenas física. Certa época, era acordada todas as madrugadas para interrogatórios. A experiência deixou sequelas. “Durante cinco meses eu não conseguia dormir”. As pessoas presas ficavam incomunicáveis.
Após sair da prisão ela voltou à sua cidade natal, Viçosa, e depois continuou os estudos. Filiou-se ao PC do B e participou da formação da Associação Alagoana dos Direitos Humanos ao lado de Eduardo Bonfim, com o qual havia se casado em 1974
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* Matéria publicada originalmente em O Jornal, edição do dia 13 de dezembro de 1998 (com alterações), e vencedora do Prêmio Banco do Brasil de Jornalismo 1999, na categoria Informação Política